terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Algumas notas históricas

O ANO DE 1909, que marca o início da publicação do "Commercio da Louzã", entrara com ministério da presidência do regenerador Campos Henriques, que tomara posse a 25 de Dezembro de 1908.
Segundo Damião Peres, o novo governo foi recebido como de reacção ao avanço da onda republicana, como um ministério de defesa monárquica.
A 2 de Fevereiro realizara-se a assembleia do partido regenerador, tendo faltado ao plenário alguns dos seus mais reputados "marechais".
A 10 de Fevereiro teve lugar, em Vila Viçosa, um encontro entre os reis de Portugal e de Espanha. Este encontro levantou grande celeuma nos arraiais republicanos, alentando certas esperanças em alguns sectores monárquicos.
A nova sessão legislativa anunciou-se, logo de entrada, tumultuosa. Uma proposta de lei do ministro Espregueira, para um empréstimo de quatro mil contos foi combatida com a maior violência.
As oposições tentaram conseguir a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito. A maioria recusou-a. Rebentou o tumulto. Um deputado munido duma pá de bater bifes, foi despedaçando várias carteiras, enquanto os outros repetiam em grita: — Inquérito! Inquérito!".
Campos Henriques demite-se, sendo substituído por Sebastião Teles, em ministério de duração fugaz, cumprindo apenas 27 dias de governação. Estávamos a 11 de Abril de 1909, dia da publicação do segundo número do "Commercio da Louzã".
Henriques não aguentara quatro meses o cargo, e Teles teria mandato bastante mais curto: seria substituído a 14 de Maio, ainda o número sete do "Commercio da Louzã" não chegara às bancas…
Entretanto já se havia realizado o Congresso do Partido Republicano Português: em Setúbal, a 24 e 25 de Abril.
O governo era agora presidido pelo regenerador dissidente Venceslau de Lima. Substituíra o progressita Sebastião Teles a 14 de Maio, e haveria de manter-se no cargo até 22 de Dezembro.

O CONVÉNIO COM O TRANSVAAL perturbara bastante o periclitante ministério de Sebastião Teles. Damião Peres retrata assim a situação vivida entre Abril e Maio de 1909:
"Uma questão, levantada em volta dum convénio entre o Govêrno de Moçambique e o Transvaal àcêrca do fornecimento de mão de obra indígena para as minas do Rand, serviu para atribular a curta existência dêsse gabinete. O debate generalizou-se nas duas Câmaras com grande ruído. Na dos Pares, o Conde de Arnoso voltava a clamar por uma investigação rigorosa do regicídio.
À frente do Juízo de Instrução Criminal fôra colocado o magistrado de carreira, António Emílio de Almeida Azevedo, que intentava uma acção de certo vigor contra as sociedades secretas. Logo contra o Irmão Hoche (nome maçónico que o Juiz adoptara quando iniciado na Maçonaria) rompeu uma campanha acesa dos jornais de esquerda.
Não afrouxavam a propaganda nos quartéis nem as aliciações dos oficiais para a revolução republicana.
O govêrno Sebastião Teles, politicamente muito fraco, a-pesar de ter maioria de votos, não podia sustentar-se. Em vão apelou para a dissolução parlamentar. Teve, por isso, que demitir-se".

A APROXIMAÇÃO INEVITÁVEL DA REVOLUÇÃO começava a pressentir-se. José Luciano de Castro, em carta ao rei, prevenia:
"O partido republicano avança a passos rápidos. Já tomou posse da Câmara Municipal e de grande maioria das juntas de paróquia de Lisboa, e fez eleger há dias o presidente da Sociedade de Geografia, derrotando um dos ministros, e, no dia 2 do corrente, sob pretexto de afirmação de princípios liberais, promoveu uma imponentíssima e extraordinária manifestação republicana que terminou por uma sessão tumultuosa na Câmara dos Deputados, em que alguns deputados deram vivas à República correspondidos por calorosas manifestações das galerias, onde só estavam republicanos. Nesse movimento estavam confundidos republicanos e dissidentes". E mais adiante: "Se não me engano, a revolução ameaça-nos de perto…".
Júlio de Vilhena, pessoalmente, fazia ao monarca avisos idênticos.
Efectivamente, a revolução caminhava a passos largos. O almirante Cândido dos Reis desenvolvia na Marinha uma acção muito intensa, aliciando numerosos oficiais. O novo Juiz de Instrução Criminal ia apanhando várias malhas da organização secreta Carbonária. Mas, justamente, os perigos e as ameaças aceleravam a preparação revolucionária. Os chefes mal podiam já conter os conjurados.

AS PERSEGUIÇÕES À IMPRENSA haviam sido o pão nosso de cada edição, nos últimos anos:
"Começaram, em 22 de Maio de1907, a funcionar os gabinetes negros, instituídos pela lei contra a imprensa. Em Lisboa, logo foram promovidas centenas de querelas. E as suspensões choverão.
No dia 21 de Junho o governo publicou um decreto que proibia a circulação, exposição ou qualquer outra forma de publicidade dos escritos, desenhos ou impressos atentatórios da ordem pública. E nenhum periódico poderia publicar-se sem autorização prévia. Era extinguir a Imprensa!
Foi suspensa A Beira, por dois meses. Via-se bem, sem dúvida, que o nó vital da situação era a liquidação dos adiantamentos. No mesmo dia O Mundo e O País foram suspensos por trinta dias.
A maioria dos jornais é executada por sucessivas suspensões, jesuítica fórmula de supressão. França Borges, que se refugiara em Espanha, começa a publicar, em Badajoz, no dia 26, o Espectro do Mundo.
O Correio da Noite e o Popular, órgãos dos partidos rotativos, são suspensos a 20 de Novembro…".
Perseguições motivadas pelo apoio crescente dado pelos jornais ao movimento republicano:
"É de primeira importância a acção desenvolvida pelos jornais no capítulo da propaganda doutrinária da República" —lembra José Tengarrinha:
"Ao lado dos comícios públicos, era a Imprensa a tribuna mais incisiva e de mais profundo efeito, preparando os espíritos para o movimento que eclodiria vitoriosamente em 5 de Outubro. As forças reaccionárias têm consciência desse facto, e por isso, em fins de 1909, os padres, nas suas pregações, fazem propaganda dos jornais jesuíticos — a que chamam boa imprensa — e chegam a ameaçar de excomunhão os leitores dos outros jornais, especialmente os dos malvados republicanos".

Mas nem todos os jornais alinhavam declaradamente pelas cores republicanas. O "Commercio da Louzã", que no texto se escancarava republicano, nunca assumiu oficialmente a sua adesão à República, na vigência do regime monárquico, ao contrário do que haveria de suceder com o vizinho "O Poiarense", pouco tempo antes do 5 de Outubro.
A recusa de alinhamento partidário era comum nos programas de alguns jornais, já desde os finais da primeira metade do século XIX. Esta manifestação de independência em relação aos partidos era contrabalançada por outros casos, em que tal alinhamento se afirmava, logo nos primeiros números.
No primeiro caso — no qual encontramos semelhanças com o programa do jornal lousanense —, encontramos "O Azourrague", que iniciou a sua publicação em 1838. Na sua "Profissão de Fé", declara que "não tem cor política e não pertence a partidos, vibrando estocadas à direita e à esquerda apenas com o fito no bem do Povo".
Exemplo de alinhamento partidário logo à nascença, encontramo-lo em "O Republicano". No seu número 3, dizia:
"Proclamamos a liberdade, igualdade e fraternidade.
Queremos república, porque só ela nos pode salvar.
Queremos um governo de homens inteligentes e honrados.
Queremos recompensas para todos os que bem mereceram da pátria.
Queremos asilo para todos os pobres.
Queremos pão para todos os que têm fome.
Queremos dar instrução a todos os que a desejam.
Queremos que o trabalho seja recompensado.
Queremos, em suma, que não haja só uma classe que seja rica e feliz, enquanto todas as outras vivem na miséria".
José Tengarrinha nota aqui a tendência socializante que, como geralmente aconteceu, acompanhava o incipiente republicanismo na expressão das suas reivindicações sociais.
Mesmo sem nunca se ter declarado republicano, o tónus de grande parte dos artigos de cariz político insertos no "Commercio da Louzã" vão revelar esta tendência socializante, às vésperas da proclamação da República, tempo em que o ideal republicano já deveria estar, mas não estava, claramente definido.
À classificação de "republicanos", Tengarrinha prefere, para os casos dos jornais que se não afirmaram alinhados como tal, posicioná-los como "de extrema esquerda liberal".

O "Comercio da Louzã" passaria a "Jornal Républicano Democratico" a 19 de Abril de 1912, três anos e alguns dias volvidos sobre a edição inaugural. Cumpria-se então a edição 102, e a dupla consoante "m" havia já sido eliminada do nome.
Em nota de redacção bastante enxuta, o jornal justificava a mudança de atitude para assim se colocar ao lado do "unico senador democratico eleito por esta vila, dr. Pires de Carvalho":
"Justa homenagem — Ao tomar, este jornal, a orientação definitiva que deve guiar de futuro as suas colunas, não póde deixar de prestar, por este meio, homenagem ao unico senador democratico eleito por esta vila, dr. Pires de Carvalho.
Já por vêses aqui temos feito a justiça que lhe é devida, elogiando, sem favor, a atitude do defensor dos interesses louzanenses.
Por isso, não querendo repetir o que já antes dissémos, podemos afirmar que o Comercio da Louzã ao prestar homenagem, ainda que mesquinha mas sincera, ao distinto percursor dos ideais republicanos democraticos, se coloca inteiramente ao seu lado, pronto a entrar na brecha para defender, em tudo qunato fôr digno, principios creados pelo Povo, os unicos em que o Povo tem interferencia… os principios democraticos".
A fotografia do deputado ocupava quase metade da primeira página, que ainda reproduzia duas outras fotos, em tamanho bastante mais reduzido, de outros dois colaboradores e amigos do jornal.
Uma coluna era dedicada à passagem do terceiro aniversário do periódico, com duas notas de realce: a primeira, ao assumir-se que o jornal havia sido criado "para demonstrar que o seu proprietario possue na Louzã uma tipografia, capaz de satisfazer qualquer modesto trabalho, apezar de não o querem ver assim na Louzã algumas pessoas a quem o seu … patriotismo leva a fornecerem-se noutros estabelecimentos (…)"; na segunda, destaque para a denúncia de perseguições dos franquistas ao periódico:
"Não o compreendeu assim a seita franquista, que desde o seu primeiro numero, não tem havido chufas e intrigas (na sombra), que não tenham movido contra o Comercio da Louzã e o seu proprietario, chegando a prejudical-o materialmente".

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